Em um
evento de exposições de quadros, a advogada Luciene se espantou ao ver um
quadro com a sua imagem. Como poderia alguém expor assim a sua imagem sem ao
menos lhe notificar! Intrigada e aborrecida, foi até ao responsável do evento
para lhe pôr a par da situação.
- Boa tarde! – Disse ela ao responsável.
- Boa tarde, moça. Em que posso ser útil?
- Você poderia me dar uma informação sobre um quadro?
- Sim, pois não. – Disse o homem.
- Muito bem. Antes de tudo, quero lhe informar que irei
processar o responsável dele, pois sem o meu consentimento, ele pegou a minha imagem e expôs em um evento.
Isso é grave e, portanto, irei tomar as medidas cabíveis, pois sou advogada.
- Muito bem moça. – Disse o responsável pelo o evento. –
Tranquilize-se. Mais tarde averiguarei isto.
- Quero agora, moço. – Disse Luciene com um tom de cólera.
O homem cruzou os braços e, respirando bem fundo, e um pouco
impaciente, pediu para que Luciene lhe mostrasse o quadro em que nela havia a
sua imagem. Ao ver o quadro, o homem ficou admirado, pois a imagem era de uma
semelhança inacreditável com a da moça. Apenas um grande artista inspirado o
pintaria.
- Muito bem, moça. Devo afirmar que o quadro é de uma
semelhança inconfundível com você. Louco eu seria se negasse este fato. Por
sorte sua, e azar dele, o responsável deste quadro se encontra em meu evento.
Vou leva-la até ele.
- Por favor. –Disse Luciene.
O responsável do evento levou então Luciene até ao homem que
o havia pintado. Este estava com alguns amigos apreciando outras obras, e
quando o responsável do evento o chamou, o homem quase caiu para trás.
- Posso falar com você, Fernando? – Disse ele.
Fernando aproximou-se em passos bem lento e visivelmente
absorto com o que via.
- Muito Bem, Fernando. Esta senhorita alega que você tenha
usado a sua imagem em nosso evento. Não posso de forma alguma negar, pois o que
eu vi foi a sua imagem e semelhança. Deixarei vocês a sós para entrarem em um
acordo. Com licença.
O homem se afastou e os dois conversaram.
– Você, como um profissional – Disse Luciene –, se é que
posso lhe chamar assim, deveria estar ciente de que usar a imagem de outrem sem
entrar em contato com este, sem estar com o consentimento deste, é crime. Como
ousa usar minha imagem, moço?
Fernando olhou estupefato para a moça. Seus olhos ardiam de surpresa e felicidade.
Fez gestos inarticulados com as suas mãos. Fernando estava completamente fora
de si. Esta súbita mudança de cor e de gestos foi causada pela a presença de
Luciene. Era sim, a mesma pessoa que o inspirou em seu desenho.
Mordeu o lábio
inferior e disse:
- Não sei como lhe explicar isto! Na verdade nem sei se isto
tem uma explicação.
- Para tudo há uma explicação, moço. Para tudo. – Disse
Luciene.
Fernando olhava para ela admirado. Qualquer um que o conhecesse
não o reconheceria naquele momento.
- Mas nem tudo há explicação. – Disse Fernando.
Luciene olhou para ele e disse:
- O que quer dizer? Diga moço!
- Quero dizer que nunca lhe vi pessoalmente, apenas sonhei
com você. – Disse Fernando olhando fundo
nos olhos de Luciene.
Luciene olhou para ele com um olhar de desdém e disse:
- E você acha que eu vou acreditar nisto? Essa é a desculpa
mais estúpida que eu já ouvi em toda a minha vida.
Fernando não tirava seus olhos dela.
- Fique ciente que amanhã – Disse ela seriamente – Enviarei
a você um documento judicial. Espero que assine, e que em breve nos vejamos no
tribunal. Boa noite!
Fernando ficou imóvel. Ao se afastar, Luciene disse a si
mesma: “quem cala consente”.
À noite, em sua cama, Luciene não conseguia esquecer o olhar
de Fernando para com ela. Ele parecia estar em transe. Não conseguiu proferir quase
nenhuma palavra, apenas a olhava admirado.
No dia seguinte, Luciene abriu a sua gaveta e retirou
algumas papeladas. Em um desses documentos que vasculhou, achou o que queria.
Pegou-lhe e manteve a pretensão de se dirigir até a casa de Fernando que se
localizava a 150 Km de sua capital. Estava disposta a ir até o final com este
caso. Fosse o que fosse não iria desistir. A cidade onde ele morava ela
conseguiu através da internet. Vestiu-se e, enfim, se dirigiu a ela.
“Que descarado”, dizia ela em tom de revolta. “Ele irá pagar
caro por isso”.
Luciene só enxergava a escuridão naquela sinuosa estrada. A
brisa gelada açoitava a face da moça. A chuva não tardaria a cair.
Enfim Luciene contemplou a placa de bem vindo da cidade. Gotículas de chuva começavam a cair do céu,
visivelmente em luto. “Meu Deus! Que tempestade virá”, disse ela. De repente a
chuva se desabou. Luciene se manteve dentro de seu carro até que a chuva se
amenizasse. Sentiu mais ódio ainda de Fernando. Para ela, ele era o culpado de
tudo isso. Era ele o infeliz, o sedutor barato, o homem que tinha contas a
pagar com a justiça. O ódio por Fernando só aumentou naquele momento de
reflexão de Luciene, quando a chuva deslizava por seu pará-brisa. A chuva aos
pouco foi passando e Luciene, que se sentia esgotada pela a viagem que fizera,
saiu de seu carro e pediu uma informação a um transeunte notoriamente
simpático.
- Conheço sim, mocinha. – Disse o simpático Senhor após
Luciene lhe pedir a informação. – Na verdade conheço quase todas as pessoas
desta cidade. Morar em cidade pequena tem esta vantagem. Adoro fazer amizades
com as pessoas. Não sei os outros, não é verdade! É gratificante para mim. As
pessoas daqui são muito boas, minha filha. Nossa! Que maravilha é morar aqui.
Luciene lhe olhava
impaciente e completamente molhada. O simpático senhor não parava de falar.
- Mas o que é que você veio fazer nessas redondezas mesmo,
minha filha?
Luciene ergueu suas sobrancelhas com ar de desprezo e disse
novamente:
- Procuro por Fernando. O pintor.
- Ah sim, minha filha. Perdoe este velho tagarela. Muito bem.
Você pode seguir aquela rua ali e (...).
Depois de muito prosear, o simpático senhor detalhou
perfeitamente o endereço de Fernando a Luciene, que já estava para explodir de
impaciência.
A chuva novamente caia. Desta vez violentamente. Raios
iluminavam o céu predominantemente negro. E a tarde estava apenas começando.
Enfim achou a casa de Fernando. Saiu de seu carro, com passos
acelerados, e parou no alpendre da casa. Correu até a ombreira e bateu com
certo ímpeto de violência. Porém, logo foi atendida por um garotinho de
aproximadamente seis anos de idade que correu gritando: “vó, a moça do desenho
está aqui!”. Luciene franziu o cenho, toda espantada. Logo a avó do garoto se
aproximou da porta.
- Mas você existe mesmo! Como aquele rapaz teve a coragem de
mentir para a sua mãe!
- Oh, você é mãe do Fernando? – Perguntou Luciene.
- Sim, minha filha. Mas queira entrar, por favor! Seja bem
vinda a nossa humilde casa.
- Não minha senhora – Disse Luciene – Eu só vim aqui para
deixar algo para ele. Já estou de saída e...
Luciene começou a sofrer um ataque de espirros.
- Entre, minha filha. Por favor! Dói-me ver você neste vento frio.
- Tudo bem. – Disse Luciene entrando na humilde casa.
- Você aceita um copo
de chá com biscoitos, minha filha? – Perguntou a mãe de Fernando.
- Oh, não. Fico muito agradecida.
- Ah não – Disse graciosamente a bondosa idosa – Ninguém vem
até a minha casa e deixa de comer os meus biscoitos.
- São deliciosos. – Disse o garotinho.
- Bom – Disse Luciene sorrindo para o garotinho –, sendo
assim eu aceito.
- Onde está o Fernando? – Perguntou Luciene.
- Bom, minha filha; Fernando chegará apenas mais tarde. Ele
iria resolver alguns negócios na cidade grande. Acredito que com essa chuva ele
tardará a chegar.
Luciene começava a se arrepender por ter viajado para tão
longe. Sentia-se que ficaria doente logo, logo. E, de fato, começou a se sentir
febril.
Olhando ao redor da casa, Luciene contemplou diversos quadros
pintados por Fernando. A maioria com a sua imagem. Estremeceu. Porém um quadro
lhe chamou muita atenção: era de um casal visivelmente apaixonado sentado
debaixo de uma linda árvore. No plano de fundo, havia um grande rio, e o sol, aos
poucos, ia cedendo para a noite. Luciene se arrepiou ao ver aquele lindo
quadro. Enfim, era de uma beleza indizível.
- Depois da morte de sua esposa, - Disse a senhora - Fernando
nunca mais foi o mesmo de antes. O seu amor pela arte havia se evaporado. Não
pintava mais nada e vivia cabisbaixo. Eu andava muito preocupada com ele. Porém
ele voltou a ser aquela pessoa tão alegre como antes fora. E tudo isso começou quando
ele pintou você; acordou em um dia muito inspirado e me pediu um lápis e uma
folha de papel. Cerca de vinte minutos ele havia pintado você. Era sim, minha
filha, o quadro mais lindo que ele já havia pintado. Mas o danado tinha me dito
que nunca viu você, que apenas havia sonhado. Vou puxar aquela orelhinha grande
dele.
Luciene se arrepiou toda. Aquilo era impossível.
A bondosa idosa, percebendo-se que Luciene estava cansada e
visivelmente resfriada, ofereceu estadia para a moça.
- Não, senhora! Eu preciso ir. Obrigada pela a gentileza.
- Minha filha, você está sem condições. Durma aqui esta
noite. Você pode dormir no quarto de Fernando.
Ele poderá dormir com seu filho.
Aliás, se ele ainda vier. A chuva só piora.
Luciene arregalou seus olhos e disse:
- Nem pensar!
A bondosa idosa sorriu amavelmente e propôs o seu quarto a
ela. Luciene aceitou.
Luciene estava realmente bastante cansada. O toque de seu
corpo naquela cama quente e macia lhe fez de súbito cair de sono.
Aproximadamente onze e meia da noite, Luciene sentiu uma mão
morna lhe apalpar sua testa. Não conseguiu decifrar o rosto, pois estava
delirando de febre. Subitamente voltou ao seu pesado sono. Luciene sonhou a
noite inteira com aquele belo quadro que estava na sala de estar da casa. O quadro havia mexido com seus sentimentos.
Aquela imagem soava paz, ânimo para se viver. Luciene não admitia, mas já se
sentia angustiada, sufocada por seu trabalho. Já nem se dedicava mais a viver a
vida. Aproveita-la como se deve aproveitar.
Ao amanhecer o dia,
Luciene se sentiu em sua casa; só se deu por conta de que não estava quando o
raio do sol emitiu uma luz perante a janela nos seus olhos inchados de tanto
dormir. Sentia-se bem melhor. Levantou-se e se dirigiu até a sala de estar,
onde a Senhora tricotava alguma roupa.
- Bom dia! – Disse Luciene.
- Oh, Bom dia, minha filha. Como foi a sua noite? Dormiu
bem? Vejo que está bem melhor, graças ao nosso glorioso bom Deus.
- Sim. Obrigada. Sinto-me bem melhor sim.
- Venha. Senta-se. Tome este café.
- E Fernando... chegou ontem de viagem?
- Sim, minha filha. Chegou tarde da noite. Preocupou-se
muito quando eu disse que você estava enferma.
Luciene lembrou-se do toque da mão em sua testa. “Provavelmente
foi ele”, monologou.
- E onde ele se encontra neste momento?
- Ele provavelmente está no seu cantinho predileto; sentado
na beira do píer a pensar. Ah, lá está ele como eu realmente imaginava. – Disse
a bondosa idosa olhando pela a janela.
- Posso falar com ele? – Disse Luciene.
- Oh, sim querida. Vou levar você até lá.
- Não precisa. Deixe-me ir sozinha. – Disse Luciene.
- Tudo bem querida. Obrigada por refazer a vida do meu
filho. Não tenho palavras para expressar o meu agradecimento por você. Os seus
olhos, minha filha, exprimem o mesmo afeto que a do desenho. Não sei como
explicar isso. Foi, com certeza, a maior obra que meu filho desenhou.
Luciene se emocionou com aquelas palavras da bondosa idosa.
Arrepiou-se. Fernando não poderia ter inventado aquela historia.
Chegando ao píer, Luciene viu Fernando jogando pedras no rio
e cantarolando alguma musica que ela não conseguiu decifrar. Aproximou-se dele
e disse:
- Olá!
Fernando olhou para moça com o coração transbordando de
felicidade.
- Olá – Disse ele – Então você veio!
- Sim. Para esclarecer algumas dúvidas.
Fernando olhou fundo nos seus olhos e disse:
- Estou lhe ouvindo.
- Não pense que eu cairei tão fácil assim. – Disse a moça
subitamente. - De onde você me conhece, Fernando? Por favor, me diga.
- É algo divino, Luciene. Não me peça explicações, por
favor. Deus colocou você em meus sonhos, e o próprio Deus planejou para que nós
nos conhecêssemos.
Luciene se mantinha cética.
- Eu jamais exporia a imagem de alguém sem pedir a
permissão. Sonhei com você á dois anos atrás, Luciene, e de lá pra cá nunca
havia exposto o seu quadro, pois esperava um dia, de alguma maneira, encontrar
você. Havia desistido, por isso expus naquele dia. Mas te encontrei Luciene.
Você não sabe o quanto eu te procurei. Você pode achar que é loucura, mas
viajei a diversos lugares procurando por você. Diversos, Luciene. Em meu sonho
você parecia ser tão real. Agora vejo que realmente você é. Você é real,
Luciene. E mal posso acreditar nisso. Você é tudo o que eu quero para minha
vida.
Luciene virou as costas para Fernando, e disse:
- É difícil acreditar nisso. Ponha-se no meu lugar.
- Ponha-se no meu lugar também, Luciene. Olhe profundamente
nos meus olhos e me diga se estou mentindo. Eu te amo.
Fernando segurou a mão de Luciene e caminharam em direção a
uma linda árvore.
Luciene já não conseguia esconder o seu sentimento. Sim,
Luciene também estava visivelmente apaixonada por Fernando.
Da janela da casa de Fernando, o garotinho olhou admirado
para aquela cena e disse:
- Veja Vovó. Aquela cena do papai e á moça juntos é igual ao
quadro que o papai desenhou.
A idosa olhou para o quadro em que Luciene havia sonhado e tanto
admirado, e disse:
- Às vezes, meu filho, Deus desenha nossos destinos em
nossos próprios sonhos.
Por Patrik Santos