domingo, 5 de janeiro de 2014

Eu No Seu Diário


Numa tarde de setembro, época em que muitas folhas caem mortas nas calçadas, Diego se aproximava do aeroporto de sua pequena cidade para fazer uma viagem de negócios. Essa viagem poderia mudar o rumo de sua vida, pois caso tudo desse certo ele se mudaria da pequena cidade onde nasceu e cresceu. Diego tinha um sonho desde a sua adolescência: tornar-se psiquiatra. Lutaria por ele.

Em seu trajeto ao aeroporto, um infeliz acidente interceptou todos os planos que cogitava. Um carro em alta velocidade acertaria em cheio uma jovem que trafegava a rua em sua bicicleta. O homem fugiu sem lhe prestar socorro e Diego, que estava a vinte metros do ocorrido, correu para socorrer a moça.

O impacto do carro na moça foi tão forte que ela ficou desacordada. Era visível que a batida afetou mais a região da cabeça. Diego pediu ajuda, e várias pessoas se aglomeraram ao local para prestar socorro à moça. Os pertences da garota ficaram todos espalhados pelo o chão e Diego correu para ajunta-los. Em um dos objetos que Diego ajuntou, observou um diário que estava aberto em uma pagina, e nesta pagina estava escrito o seu nome dentro de um coração desenhado a lápis. Diego examinou o diário pormenorizadamente e viu o seu nome mencionado várias vezes. Ficou bastante curioso e guardou o diário em sua bolsa. Logo uma ambulância chegava para levar a acidentada a um hospital.

A sua viagem foi cancelada pelo o próprio, pois o seu voo já tinha decolado havia vinte minutos. Teria que remarcar a sua avaliação. Ficou muito chateado com este episódio. Chegou até a culpar a moça, mas logo viu que era errado o que estava dizendo.

Diego sentia que já conhecia aquela moça, porém não conseguia se recordar de onde. Em sua casa, abriu o diário e começou a folhear. O diário fora escrito a partir dos 12 anos da moça. Leu uma metade, porém adiantou até os 16 anos dela, época em que ela conheceu Diego. Dezesseis anos? Diego não conseguia se lembrar. Conhecia a menina desde os 16 anos dela? Leu atentamente o que dizia a primeira vez em que ela lhe viu:
.............

11 de abril de 19..
“ Nunca senti algo tão forte assim em minha vida. Quando ele desceu do ônibus da escola meu coração me sufocou como nunca havia me sentido antes. Meus olhos não conseguiam evita-lo, e eu não conseguia evitar aquela vontade de lhe olhar. Acho que estou apaixonada. “
Como te amo Diego
.............
Diego ficou admirado com aquela simples declaração. De onde conhecia aquela menina? Diego ficou intrigado com esta dúvida. Novamente folheou o diário da moça, e leu o seguinte:
............
14 de abril de 19..
“ Não sei de terei coragem de lhe declarar o meu amor. Ele é tão popular. Todas as minhas amigas também o amam.”
.............

Agora Diego viu uma foto da menina em seu diário. Sim. Lembrou-se. Estudou com ela em 19.. Eram da mesma turma. Lembrou que um dia havia ficado com ela. Não por querer, mas por sentir pena dela. Diego era o garoto mais popular da escola, e por carregar este título, namorava todas as meninas a quem ele se engraçava. Lembrou que também não tinha coração. Abandonava as meninas sem explicar o porquê da separação.

Diego fechou o diário e guardou em sua gaveta. Deveria dormir, pois no dia seguinte teria que marcar a sua avaliação.

No dia seguinte, algo fez Diego pegar o diário e lhe folhear novamente.
.............
24 de abril de 19...
“ Hoje ele passou do meu lado. Pensei em lhe dizer um “oi”, mas algo não fez a minha voz sair.”
.............

6 de maio de 19...
“ Enfim ele me olhou. Foi a primeira vez que os seus olhos se cruzaram com os meus. Meu coração bateu tão forte dentro de mim que eu pensei que iria desmaiar”.
..............

Diego ficou fascinado pelo o diário da menina. Todos os dias ele o abria e lia algumas paginas.
Quatro dias depois do acidente, algo dentro do coração de Diego, algo que não podemos denominar, só podemos sentir que é um ato de Deus, fez com que ele sentisse uma enorme vontade de ir visita-la. Achava que deveria. Achava que devia isto a ela. Vestiu-se humildemente e foi até o hospital para ir lhe ver.
Ensaiou vários dizeres. O que dizer a sua família? Que ignorou a menina quando estudavam juntos? Que ficou com ela uma vez apenas e depois lhe desprezou? Diego tentou voltar, mas não. Não iria desistir. Já que estava ali, deveria ir lhe ver.

Chegando ao quarto da moça, viu vários familiares ao redor da moça. Olhou da porta por uns segundos, e ao virar-se, uma mulher vinha entrando no quarto, e disse bem baixo:

- És amigo da garota? – Perguntou a enfermeira.

- Sim. – Disse Diego.

- Vamos, entre.

Diego aproximou-se dos familiares da menina e disse um tímido “oi”. Os pais da menina lhe fizeram perguntas e Diego afirmou ser um amigo de escola dela. A garota estava dormindo.

- Infelizmente ela perdeu a sua memória, Diego. Talvez ela não o reconheça. – Disse a mãe da moça.

Diego ficou visivelmente assolado.

- Desculpem. Mil desculpas. – Disse o rapaz.

- Que isso, filho. Você não deve desculpas. – Disse o pai da garota.

Diego virou-se e saiu do quarto angustiado. Os pais da menina não entenderam a razão que o levaram a isto.

Diego chegou até sua casa e foi direto para o seu quarto ler o diário da menina.
................

27 de maio de 19...
“ Não acredito! Estamos namorando. Hoje ele pediu para que eu fosse com ele até a praça do colégio. Prontamente assenti. Inexplicável o nosso primeiro beijo. Inexplicável o seu abraço. Senti-me tão nervosa que novamente as minhas palavras falharam. Eu queria tanto dizer a ele que eu o amo. Que desde a primeira vez que o vi descer do ônibus, meu coração o tinha escolhido. Infelizmente não disse. Mas amanhã direi tudo o que eu sinto por ele.”
...............

Diego, com as mãos suadas, esboçou um vele sorriso e continuou lendo:

28 de maio de 19...
“ Meu Deus! Ele não é a pessoa com quem eu pensei que fosse. Que indiferença! Tratou-me como se jamais me conhecesse. Ainda beijou uma amiga minha na minha frente. Sinto-me destruída. Minha felicidade durou apenas algumas horas. Eu queria tanto morrer neste momento.”
..............

Diego leu aquilo com um olhar úmido. Lembrou-se do dia em que a desprezou. “fui um homem sem coração”, disse.

Vestiu-se novamente, porém lembrou-se que deveria marcar a sua avaliação. “ Dane-se isto”, disse, e foi para um lugar calmo para pensar na sua vida. Muitas pessoas dizem não se arrepender de nada em que fizeram em suas vidas. Diego se arrependeu de quase tudo o que fez. “Se eu pudesse voltar no tempo...”, disse olhando para os pássaros que cantavam em uma árvore. “ Mas não, não posso. Só posso me arrepender de tudo que eu fiz. Mais nada”.

No dia seguinte arrumou-se e foi para o hospital novamente. Parece que fazia tudo aquilo automaticamente. Seu coração que lhe direcionava.

Chegando lá, viu que a menina estava acordada. “E agora! O que faço meu Deus?”, disse a si mesmo. Conseguiu um pouco de coragem e entrou no quarto da garota. Os pais da menina também se encontravam lá.

- Ora, vejam quem está aqui. – Disse o pai da garota.

- Entre, Diego. – Disse a mãe.

Diego aproximou-se, porém a reação da moça pelo o rapaz foi demasiada frívola.

- Você não conhece o Diego? – Disse a mãe da menina.

A garota fez apenas um gesto negativo com a cabeça, pois a sua fala ainda não era permitida pelo médico. 

Diego se corroeu por dentro. “Como ela poderia me esquecer assim?”
Diego ficou aproximadamente 15 minutos em seu quarto, e durante este tempo a menina nem lhe direcionava o olhar. Diego era invisível para ela.

Cabisbaixo, Diego se despediu de todos e fez um breve aceno de adeus para a menina. Esta sorriu e lhe enviou de volta.

Chegando em sua casa, Diego teve um acesso de choro. Perguntou-se a razão do seu choro. Olhou-se no espelho do seu banheiro e percebeu que estava apaixonado pela a moça. Seus olhos estavam vermelhos e seus lábios incontroláveis. Correu para o diário dela e começou a ler novamente.
............

17 de julho 19...

“ Acho que jamais vou esquecê-lo”
............

12 de junho de 19...
“Como eu o amo.”
..............
19 de agosto de 19...
“ Sinto tanto a tua falta. Você nem sequer me olha mais.”
..............

Diego leu várias frases que ratificavam o amor da menina por ele. Parecia não ter fim.

..........
6 de janeiro de 19...
“ Passaram-se três anos e meio em que te conheci, mas meu amor por você nunca, jamais se excedeu.”
............

Por fim Diego leu o ultimo trecho que ela escreveu a ele. E este trecho era exatamente no dia em que a garota se acidentou.

..............
16 de setembro
“ Soube que ele vai viajar para possivelmente nunca mais voltar. Preciso imediatamente correr para o aeroporto para lhe declarar todo o meu amor”
.............

Quando Diego leu aquilo, caiu para trás e chorou como uma criança. Ela correria tão extasiada naquele dia para lhe declarar o seu amor. Porém um carro lhe tirou todas as suas esperanças.
Diego, com os olhos inchados de choro, foi até o hospital e levou consigo o diário da menina.
Chegando ao hospital foi diretamente falar com o médico da menina e perguntou quais as chances dela de voltar a ter sua memória. O médico lhe respondeu que eram as mínimas. Uma pontada em seu coração quase lhe derrubou. Diego segurou firme o diário da menina e foi até ao seu quarto. Os pais da menina novamente estavam lá. Diego aproximou-se da garota e disse:

- Você não se lembra de mim?

- Ó filho. Afasta-se. Ela não vai se lembrar de você. – Disse a mãe da garota.

Diego segurou nas mãos da menina, que se encontrava sentada na cama, e disse:

- Eu te amo. – Disse em seu ouvido. – Me perdoe.

A menina o olhou estranhamente e fez um sinal de quem não estava entendo nada.

De repente Diego puxou de sua bolsa o diário dela e disse-lhe novamente:

- Você se lembra deste diário?

A menina olhou para aquele diário, visivelmente espantada, e Diego pediu para que ela lesse. Ao folhear o diário a menina sorriu com os olhos brilhando e disse:

- Diego?

- Sim, sou eu. – Disse Diego com seus olhos úmidos.

- O que aconteceu? Por que estou aqui? – Disse a menina.

- Esqueça. Agora tudo isto é passado. – Disse Diego.

- Por que seus olhos estão inchados de choro?


- Porque achei que você nunca mais iria se lembrar de mim.

Por Patrik Santos