sábado, 12 de outubro de 2013

Um Dia Te Desenhei



Em um evento de exposições de quadros, a advogada Luciene se espantou ao ver um quadro com a sua imagem. Como poderia alguém expor assim a sua imagem sem ao menos lhe notificar! Intrigada e aborrecida, foi até ao responsável do evento para lhe pôr a par da situação.


- Boa tarde! – Disse ela ao responsável.

- Boa tarde, moça. Em que posso ser útil?

- Você poderia me dar uma informação sobre um quadro?

- Sim, pois não. – Disse o homem.

- Muito bem. Antes de tudo, quero lhe informar que irei processar o responsável dele, pois sem o meu consentimento, ele pegou a minha imagem e expôs em um evento. Isso é grave e, portanto, irei tomar as medidas cabíveis, pois sou advogada.

- Muito bem moça. – Disse o responsável pelo o evento. – Tranquilize-se. Mais tarde averiguarei isto.

- Quero agora, moço. – Disse Luciene com um tom de cólera.

O homem cruzou os braços e, respirando bem fundo, e um pouco impaciente, pediu para que Luciene lhe mostrasse o quadro em que nela havia a sua imagem. Ao ver o quadro, o homem ficou admirado, pois a imagem era de uma semelhança inacreditável com a da moça. Apenas um grande artista inspirado o pintaria.

- Muito bem, moça. Devo afirmar que o quadro é de uma semelhança inconfundível com você. Louco eu seria se negasse este fato. Por sorte sua, e azar dele, o responsável deste quadro se encontra em meu evento. Vou leva-la até ele.

- Por favor. –Disse Luciene.

O responsável do evento levou então Luciene até ao homem que o havia pintado. Este estava com alguns amigos apreciando outras obras, e quando o responsável do evento o chamou, o homem quase caiu para trás.

- Posso falar com você, Fernando? – Disse ele.

Fernando aproximou-se em passos bem lento e visivelmente absorto com o que via.

- Muito Bem, Fernando. Esta senhorita alega que você tenha usado a sua imagem em nosso evento. Não posso de forma alguma negar, pois o que eu vi foi a sua imagem e semelhança. Deixarei vocês a sós para entrarem em um acordo. Com licença.

O homem se afastou e os dois conversaram.

– Você, como um profissional – Disse Luciene –, se é que posso lhe chamar assim, deveria estar ciente de que usar a imagem de outrem sem entrar em contato com este, sem estar com o consentimento deste, é crime. Como ousa usar minha imagem, moço?
Fernando olhou estupefato para a moça.  Seus olhos ardiam de surpresa e felicidade. Fez gestos inarticulados com as suas mãos. Fernando estava completamente fora de si. Esta súbita mudança de cor e de gestos foi causada pela a presença de Luciene. Era sim, a mesma pessoa que o inspirou em seu desenho. 

Mordeu o lábio inferior e disse:

- Não sei como lhe explicar isto! Na verdade nem sei se isto tem uma explicação.

- Para tudo há uma explicação, moço. Para tudo. – Disse Luciene.

Fernando olhava para ela admirado. Qualquer um que o conhecesse não o reconheceria naquele momento.

- Mas nem tudo há explicação. – Disse Fernando.

Luciene olhou para ele e disse:

- O que quer dizer? Diga moço!

- Quero dizer que nunca lhe vi pessoalmente, apenas sonhei com você.  – Disse Fernando olhando fundo nos olhos de Luciene.

Luciene olhou para ele com um olhar de desdém e disse:

- E você acha que eu vou acreditar nisto? Essa é a desculpa mais estúpida que eu já ouvi em toda a minha vida.

Fernando não tirava seus olhos dela.

- Fique ciente que amanhã – Disse ela seriamente – Enviarei a você um documento judicial. Espero que assine, e que em breve nos vejamos no tribunal. Boa noite!

Fernando ficou imóvel. Ao se afastar, Luciene disse a si mesma: “quem cala consente”.

À noite, em sua cama, Luciene não conseguia esquecer o olhar de Fernando para com ela. Ele parecia estar em transe. Não conseguiu proferir quase nenhuma palavra, apenas a olhava admirado.
No dia seguinte, Luciene abriu a sua gaveta e retirou algumas papeladas. Em um desses documentos que vasculhou, achou o que queria. Pegou-lhe e manteve a pretensão de se dirigir até a casa de Fernando que se localizava a 150 Km de sua capital. Estava disposta a ir até o final com este caso. Fosse o que fosse não iria desistir. A cidade onde ele morava ela conseguiu através da internet. Vestiu-se e, enfim, se dirigiu a ela.
“Que descarado”, dizia ela em tom de revolta. “Ele irá pagar caro por isso”.

Luciene só enxergava a escuridão naquela sinuosa estrada. A brisa gelada açoitava a face da moça. A chuva não tardaria a cair.

Enfim Luciene contemplou a placa de bem vindo da cidade. Gotículas de chuva começavam a cair do céu, visivelmente em luto. “Meu Deus! Que tempestade virá”, disse ela. De repente a chuva se desabou. Luciene se manteve dentro de seu carro até que a chuva se amenizasse. Sentiu mais ódio ainda de Fernando. Para ela, ele era o culpado de tudo isso. Era ele o infeliz, o sedutor barato, o homem que tinha contas a pagar com a justiça. O ódio por Fernando só aumentou naquele momento de reflexão de Luciene, quando a chuva deslizava por seu pará-brisa. A chuva aos pouco foi passando e Luciene, que se sentia esgotada pela a viagem que fizera, saiu de seu carro e pediu uma informação a um transeunte notoriamente simpático.

- Conheço sim, mocinha. – Disse o simpático Senhor após Luciene lhe pedir a informação. – Na verdade conheço quase todas as pessoas desta cidade. Morar em cidade pequena tem esta vantagem. Adoro fazer amizades com as pessoas. Não sei os outros, não é verdade! É gratificante para mim. As pessoas daqui são muito boas, minha filha. Nossa! Que maravilha é morar aqui.

 Luciene lhe olhava impaciente e completamente molhada. O simpático senhor não parava de falar.

- Mas o que é que você veio fazer nessas redondezas mesmo, minha filha?

Luciene ergueu suas sobrancelhas com ar de desprezo e disse novamente:

- Procuro por Fernando. O pintor.

- Ah sim, minha filha. Perdoe este velho tagarela. Muito bem.  Você pode seguir aquela rua ali e (...).

Depois de muito prosear, o simpático senhor detalhou perfeitamente o endereço de Fernando a Luciene, que já estava para explodir de impaciência.

A chuva novamente caia. Desta vez violentamente. Raios iluminavam o céu predominantemente negro. E a tarde estava apenas começando.

Enfim achou a casa de Fernando. Saiu de seu carro, com passos acelerados, e parou no alpendre da casa. Correu até a ombreira e bateu com certo ímpeto de violência. Porém, logo foi atendida por um garotinho de aproximadamente seis anos de idade que correu gritando: “vó, a moça do desenho está aqui!”. Luciene franziu o cenho, toda espantada. Logo a avó do garoto se aproximou da porta.

- Mas você existe mesmo! Como aquele rapaz teve a coragem de mentir para a sua mãe!

- Oh, você é mãe do Fernando? – Perguntou Luciene.

- Sim, minha filha. Mas queira entrar, por favor! Seja bem vinda a nossa humilde casa.

- Não minha senhora – Disse Luciene – Eu só vim aqui para deixar algo para ele. Já estou de saída e...

Luciene começou a sofrer um ataque de espirros.

- Entre, minha filha. Por favor!  Dói-me ver você neste vento frio.

- Tudo bem. – Disse Luciene entrando na humilde casa.

 - Você aceita um copo de chá com biscoitos, minha filha? – Perguntou a mãe de Fernando.

- Oh, não. Fico muito agradecida.

- Ah não – Disse graciosamente a bondosa idosa – Ninguém vem até a minha casa e deixa de comer os meus biscoitos.

- São deliciosos. – Disse o garotinho.

- Bom – Disse Luciene sorrindo para o garotinho –, sendo assim eu aceito.

- Onde está o Fernando? – Perguntou Luciene.

- Bom, minha filha; Fernando chegará apenas mais tarde. Ele iria resolver alguns negócios na cidade grande. Acredito que com essa chuva ele tardará a chegar.

Luciene começava a se arrepender por ter viajado para tão longe. Sentia-se que ficaria doente logo, logo. E, de fato, começou a se sentir febril.

Olhando ao redor da casa, Luciene contemplou diversos quadros pintados por Fernando. A maioria com a sua imagem. Estremeceu. Porém um quadro lhe chamou muita atenção: era de um casal visivelmente apaixonado sentado debaixo de uma linda árvore. No plano de fundo, havia um grande rio, e o sol, aos poucos, ia cedendo para a noite. Luciene se arrepiou ao ver aquele lindo quadro. Enfim, era de uma beleza indizível.

- Depois da morte de sua esposa, - Disse a senhora - Fernando nunca mais foi o mesmo de antes. O seu amor pela arte havia se evaporado. Não pintava mais nada e vivia cabisbaixo. Eu andava muito preocupada com ele. Porém ele voltou a ser aquela pessoa tão alegre como antes fora. E tudo isso começou quando ele pintou você; acordou em um dia muito inspirado e me pediu um lápis e uma folha de papel. Cerca de vinte minutos ele havia pintado você. Era sim, minha filha, o quadro mais lindo que ele já havia pintado. Mas o danado tinha me dito que nunca viu você, que apenas havia sonhado. Vou puxar aquela orelhinha grande dele.

Luciene se arrepiou toda. Aquilo era impossível.

A bondosa idosa, percebendo-se que Luciene estava cansada e visivelmente resfriada, ofereceu estadia para a moça.

- Não, senhora! Eu preciso ir. Obrigada pela a gentileza.

- Minha filha, você está sem condições. Durma aqui esta noite. Você pode dormir no quarto de Fernando. 

Ele poderá dormir com seu filho. Aliás, se ele ainda vier. A chuva só piora.

Luciene arregalou seus olhos e disse:

- Nem pensar!

A bondosa idosa sorriu amavelmente e propôs o seu quarto a ela. Luciene aceitou.
Luciene estava realmente bastante cansada. O toque de seu corpo naquela cama quente e macia lhe fez de súbito cair de sono.

Aproximadamente onze e meia da noite, Luciene sentiu uma mão morna lhe apalpar sua testa. Não conseguiu decifrar o rosto, pois estava delirando de febre. Subitamente voltou ao seu pesado sono. Luciene sonhou a noite inteira com aquele belo quadro que estava na sala de estar da casa.  O quadro havia mexido com seus sentimentos. Aquela imagem soava paz, ânimo para se viver. Luciene não admitia, mas já se sentia angustiada, sufocada por seu trabalho. Já nem se dedicava mais a viver a vida. Aproveita-la como se deve aproveitar.

 Ao amanhecer o dia, Luciene se sentiu em sua casa; só se deu por conta de que não estava quando o raio do sol emitiu uma luz perante a janela nos seus olhos inchados de tanto dormir. Sentia-se bem melhor. Levantou-se e se dirigiu até a sala de estar, onde a Senhora tricotava alguma roupa.

- Bom dia! – Disse Luciene.

- Oh, Bom dia, minha filha. Como foi a sua noite? Dormiu bem? Vejo que está bem melhor, graças ao nosso glorioso bom Deus.

- Sim. Obrigada. Sinto-me bem melhor sim.

- Venha. Senta-se. Tome este café.

- E Fernando... chegou ontem de viagem?

- Sim, minha filha. Chegou tarde da noite. Preocupou-se muito quando eu disse que você estava enferma.

Luciene lembrou-se do toque da mão em sua testa. “Provavelmente foi ele”, monologou.

- E onde ele se encontra neste momento?

- Ele provavelmente está no seu cantinho predileto; sentado na beira do píer a pensar. Ah, lá está ele como eu realmente imaginava. – Disse a bondosa idosa olhando pela a janela.

- Posso falar com ele? – Disse Luciene.

- Oh, sim querida. Vou levar você até lá.

- Não precisa. Deixe-me ir sozinha. – Disse Luciene.

- Tudo bem querida. Obrigada por refazer a vida do meu filho. Não tenho palavras para expressar o meu agradecimento por você. Os seus olhos, minha filha, exprimem o mesmo afeto que a do desenho. Não sei como explicar isso. Foi, com certeza, a maior obra que meu filho desenhou.

Luciene se emocionou com aquelas palavras da bondosa idosa. Arrepiou-se. Fernando não poderia ter inventado aquela historia.

Chegando ao píer, Luciene viu Fernando jogando pedras no rio e cantarolando alguma musica que ela não conseguiu decifrar. Aproximou-se dele e disse:

- Olá!

Fernando olhou para moça com o coração transbordando de felicidade.

- Olá – Disse ele – Então você veio!

- Sim. Para esclarecer algumas dúvidas.

Fernando olhou fundo nos seus olhos e disse:

- Estou lhe ouvindo.

- Não pense que eu cairei tão fácil assim. – Disse a moça subitamente. - De onde você me conhece, Fernando? Por favor, me diga.

- É algo divino, Luciene. Não me peça explicações, por favor. Deus colocou você em meus sonhos, e o próprio Deus planejou para que nós nos conhecêssemos.

Luciene se mantinha cética.

- Eu jamais exporia a imagem de alguém sem pedir a permissão. Sonhei com você á dois anos atrás, Luciene, e de lá pra cá nunca havia exposto o seu quadro, pois esperava um dia, de alguma maneira, encontrar você. Havia desistido, por isso expus naquele dia. Mas te encontrei Luciene. Você não sabe o quanto eu te procurei. Você pode achar que é loucura, mas viajei a diversos lugares procurando por você. Diversos, Luciene. Em meu sonho você parecia ser tão real. Agora vejo que realmente você é. Você é real, Luciene. E mal posso acreditar nisso. Você é tudo o que eu quero para minha vida.

Luciene virou as costas para Fernando, e disse:

- É difícil acreditar nisso. Ponha-se no meu lugar.

- Ponha-se no meu lugar também, Luciene. Olhe profundamente nos meus olhos e me diga se estou mentindo. Eu te amo.

Fernando segurou a mão de Luciene e caminharam em direção a uma linda árvore.

Luciene já não conseguia esconder o seu sentimento. Sim, Luciene também estava visivelmente apaixonada por Fernando.

Da janela da casa de Fernando, o garotinho olhou admirado para aquela cena e disse:

- Veja Vovó. Aquela cena do papai e á moça juntos é igual ao quadro que o papai desenhou.

A idosa olhou para o quadro em que Luciene havia sonhado e tanto admirado, e disse:

- Às vezes, meu filho, Deus desenha nossos destinos em nossos próprios sonhos.

Por Patrik Santos

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