Todas as sextas feiras, Gilberto ia em rumo a um bar bem próximo de seu trabalho
para relaxar sua cabeça e bater um bom papo com os seus amigos. Estava se
recuperando de um relacionamento passageiro que teve com uma garota que só o
iludiu. Prometia a si mesmo não se apaixonar mais por mulheres que adoravam lhe
ver se humilhar por elas. Estava disposto a ser rude com essas. Entre um gole
de cerveja e uma olhada para o ambiente, Gilberto viu uma linda moça de cabelos
encaracolados, saia cinza e usando óculos escuros. Pelo o garçom, Gilberto
enviou um recado dizendo se podia sentar-se junto dela. A moça respondeu negativamente
para o rapaz que abaixou a cabeça com vergonha e tomou vários copos de cerveja
rapidamente. Quinze minutos depois, Gilberto foi até a mesa da moça e pediu a
ela delicadamente para que se sentasse e tomassem um drink juntos. A moça enfim
assentiu com o pedido do rapaz e naturalmente os dois conversaram como se
fossem velhos conhecidos.
- Posso ver seus olhos? – Disse ele.
- É melhor não. – Respondeu ela.
- Tudo bem. Você está com algum problema?
- Estou não. – Respondeu ela.
Ficaram alguns minutos sem se falarem nada. De repente a
moça começou a soluçar e Gilberto percebeu que ela estava chorando.
- Você está bem? Quer que eu o leve para a sua casa? –
Perguntou Gilberto.
- Não, está tudo bem. Você quer que eu tire os óculos? –
Perguntou ela.
- Não se você não quiser.
- Tudo bem. Vou tirar eles. – Disse ela.
Quando a moça tirou os óculos, Gilberto viu em seus olhos um
grande inchaço.
- Mas o quê foi isso? – Perguntou Gilberto indignado.
- Caí da escada. Nada demais.
- Isso não parece com queda, Eliza. Está nítido que você sofreu
uma agressão.
A moça não conseguiu mais mentir. Contou a verdade para
Gilberto. Estava sendo agredida fisicamente e verbalmente por seu marido.
“Todos os dias ele me bate”, disse ela. “Prometeu até me matar”.
- Devemos ir até a policia para dar parte deste infeliz. –
Disse Gilberto absorto.
- Não devemos. Será pior. Eu já tentei, mas ele quase me
enforca neste dia.
- Você não pode continuar ficando assim, a mercê deste
maldito.
- Por favor, não se meta. Infelizmente alguns casais passam
por desentendimentos, e em alguns casos por agressões. Preciso ir para casa.
Adeus!
Eliza retirou-se do bar aos prantos. Gilberto ficou abalado
e comovido pela moça. “Não deveria ter lhe pedido para que tirasse os óculos”,
disse Gilberto. “Não. Acho que fiz o certo. Agora conheço o seu problema”.
Gilberto pensou em Eliza a semana inteira. Cogitou várias
vezes em ir até a delegacia e denunciar o marido da moça. Porém não tinha
referências para chegar até ele, e além do mais não poderia se intrometer na
vida da moça que conheceu e se falou por umas duas horas apenas. Esqueceu a
ideia de denuncia-lo, porém não conseguiu se esquecer de Eliza.
Duas semanas mais tarde, Gilberto encontrou a moça novamente
no mesmo bar e na mesma mesa. Ela estava linda com um vestido azul. Gilberto
aproximou-se dela e pôde contemplar os lindos olhos castanhos da moça.
Novamente conversaram por horas e Gilberto percebeu que ela estava mais feliz
do que a noite passada. Só depois que Gilberto passou suas mãos no pescoço de
Eliza, foi que ele pôde notar que ela sentia uma dor recôndita.
- Sentes dor? – Perguntou Gilberto.
- É apenas um torcicolo. – Respondeu ela.
- Hum, Sei.
Eliza evitava falar sobre o seu relacionamento e Gilberto,
após descobrir a dor da moça, ficou agitado e preocupado com ela. O clima entre
os dois ficou frio, e Eliza despediu-se de Gilberto. Na semana seguinte,
Gilberto não viu a moça sentada no bar. Ficou até uma hora da manhã lhe
esperando, porém em debalde. Alguma coisa dizia a ele que ele nunca mais a
veria. Ficou triste e desanimado.
Na outra semana, Gilberto entrou no bar e se deparou com
Eliza, tão linda como ele a viu pela a primeira vez. O sorriso dela lhe trouxe
alívio, e Gilberto aproximou-se dela com uma alegria que ninguém poderia
decifrar.
- Como você está bem, Eliza! – Disse ele. – Seu semblante
está ótimo.
- Separei-me de meu marido. Irei me divorciar. Ele não
aceitou no começo, mas logo viu que seria o melhor para a gente. Estou de certa
forma muito infeliz. Um pouco desapontada com ele, claro. Pensei que ele fosse
outra pessoa. Infelizmente ele não continuou o mesmo comigo. Mudou muito depois
que nos casamos.
- Fico feliz por você. Você merece um verdadeiro amor.
Alguém que nunca mude. Alguém que seja a mesma pessoa até o fim de sua vida.
Que lhe acolha nos momentos mais difíceis. Alguém que lhe carregue nos braços
quando os seus passos fraquejar.
- Eu só não o denunciei porque pensei que ele iria mudar. Dei
várias chances para ele. Meu amor foi paciente, porém ele fraquejou quando
chegou ao seu limite.
- Estou muito feliz por você, Eliza. – Disse Gilberto
sentindo algo muito forte. – Espero que você seja muito feliz. Ainda te
encontro por aqui?
- oh, sim. Podemos nos falar amanhã? Também quero muito
falar com você. – Disse ela.
- Podemos sim, Eliza. Também quero muito falar com você. –
Ao dizer isso, Gilberto percebeu que ela escrevia alguma coisa debaixo da mesa.
- O quê você está escrevendo aí? – Perguntou Gilberto
curiosamente.
- Amanhã saberás. Promete não ler até amanhã? – Propôs ela.
- Sim. Amanhã lerei. Paciência é umas de minhas virtudes. –
Respondeu Gilberto.
No dia seguinte, às 21:30, Gilberto sentou-se no mesmo lugar
em que eles se conheceram. Lá, ele ficou esperando por Eliza. Estava muito
agitado em ler o que estava escrito debaixo da mesa, porém não queria quebrar a
promessa que fez com ela. Isso seria um mau começo.
De repente Gilberto ouviu uma noticia que vinha da televisão
do bar.
“Jovem é assassinada a facadas em uma loja de roupas. O principal
suspeito de tê-la matado é o seu próprio marido que não aceitava o término
do casamento deles.”
- Que coisa! – Disse o proprietário do bar. – Essas notícias
trágicas estão ficando rotineiras.
Gilberto via a notícia com o coração abalado. “Não pode ser
Eliza. Seu marido havia aceitado”.
A notícia seguia e quando o jornal expôs a foto da moça,
Gilberto entortou os lábios e chorou muito por dentro. Não conseguia
controla-lo.
- Mas essa moça já veio aqui no bar. – Disse o proprietário.
- Sim, já veio. – Disse Gilberto com as mãos em sua testa. –
Já veio sim.
Gilberto enfim lembrou-se da escrita na mesa.
Quando Gilberto abaixou-se para ler o que estava escrito por
Eliza, leu a seguinte mensagem:
“Estou perdidamente apaixonada por você. Espero que você
nunca me decepcione, meu amor”
- Eu jamais te decepcionaria, meu amor. Jamais.
Por Patrick Santos
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