sábado, 11 de maio de 2013

Saudades Do Meu Amigo



Dos seis filhotes que a nossa cadela Uli teve, Pingo era o mais diferente de todos. Além de ser de cor diferente dos demais, Pingo não tinha pelos em uma parte de sua cabeça. Aquele cão era motivo de escárnio por todos nós. Meus irmãos e primos haviam escolhido quais eram os seus filhotes preferidos. Pingo sempre ficara de fora por ser o mais feio.

Eu brincava com todos eles, porém excluía aquele cachorro de cor diferente. Não gostava dele. Por diversas noites eu o colocava para fora de casa. Até quando chovia forte. Eu o olhava da janela e Pingo ficava sempre chorando debaixo da pia de nosso imenso quintal.

Ainda filhote, Pingo quebrou a sua patinha direita fazendo-o ficar manco para o resto de sua vida. Lembro-me de ter quebrado a patinha do Pingo. Foi num dia em que eu acabara de chegar de minha escola. Os cinco filhotes, que me amavam muito, vieram correndo em minha direção, e pingo, todo alegre,  havia se metido no meio deles. Ao pular em mim, dei um chute demasiado forte no Pingo que fez com que ele se batesse na quina da porta de meu quarto. Pingo chorou tanto naquele dia. Passou a noite inteirinha chorando baixinho, pois meu pai raiava com ele para que ele parasse de chorar. No dia seguinte, Pingo mal conseguia se levantar para comer. Dei leite aos outros filhotinhos e percebi que Pingo não estava no meio deles. Procurei-o por toda a parte da casa e o encontrei debaixo de minha cama, chorando prostrado em minha sandália. Quando fui pega-lo, Pingo soltou um gemido de piedade que me comoveu muito. Sua pata estava inchada e os seus olhos estavam brilhando como nunca eu havia visto antes. Segurei-o em minha mão e ele continuava a chorar bem baixinho. Com uma colher, comecei a dar leite para o Pingo e ele começou a se alegrar como era antes.

Quando eles estavam com quatro meses de vida, um ataque de pulgas se apossou de todos os nossos filhotinhos. O mais afetado foi o Pingo. Parece que os remédios e sabonetes não faziam efeito no pobre coitado. Nele começou a criar umas espécies de pústulas; provavelmente resultado dos ataques das malditas pulgas. Seu corpo ficou recheado de secreções e o filhotinho ficou com um mau cheiro insuportável. Eu implorava para que os meus pais o levassem para um veterinário, porém eles sempre hesitavam; diziam que aquelas secreções iriam sumir com o tempo. Porém o tempo passou e o pobre Pingo continuou com elas. Ele já estava bastante debilitado e não comia mais nada, nem mesmo o leite que eu o lhe dava através de uma seringa.

Chegou um dia em que Pingo já não respirava normalmente. Expirava profundamente e inspirava muito lentamente. Eu já estava preparado para a sua morte. Eu era o único que não saia de perto dele. Vários dias se passaram e Pingo lutou muito para sobreviver. Era um bravo cão. Não queria ceder a sua vida. Pingo ainda queria viver muito.
Em um sábado, um tio nosso passou o dia inteirinho em nossa casa. Quando ele viu o Pingo quase morto em cima de um pano, ele disse para minha mãe que se livrasse imediatamente dele, pois ele poderia prejudicar nãos só aos demais filhotinhos, mais a nós também. Meu pai e minha me olharam, e com os olhos eles entenderam o que eu sentia. Eu não queria me afastar do pingo. Queria passar o resto de sua vida com ele. Eu me sentia culpado por ele estar daquele jeito.

Foi quando me mandaram ir a uma mercearia.

Quando eu cheguei em casa, Pingo já não estava lá. Havia sido cruelmente jogado fora. Perguntei aos meus pais onde ele estava. O que haviam feito com ele. Mas eles ficavam mudos.
Foi quando o meu irmão mais velho me contou que haviam jogado Pingo do outro lado de um terreno que ficava próximo de casa. Corri imediatamente para lá. O pingo havia sido jogado por cima de um muro bastante elevado. Tentei pular, mas em vão. Foi quando eu fiz um buraco naquela parede de tijolos e pude ver o Pingo ainda com vida. Seu corpo estava cheio de formigas e larvas. A sua respiração ainda estava ofegante. Parecia que cada gemido que ele dava era o ultimo que soltava. Subi desesperadamente no muro, através do buraco que eu havia feito, e pulei para socorrer o pobre Pingo. Ele estava com um mau cheiro que poderia me causar náusea, mas tudo que ele me causou foi pena. Coloquei-o em um saco plástico e fui para a cidade buscar ajuda, visto que em minha casa, Pingo já não era mais bem vindo.
Chegando próximo de uma clínica veterinária, pedi ajuda para vários atendentes. Mas como eu não tinha marcado nem um horário na clínica, foi impossível conseguir internar o meu pobre cachorro.
Saindo desacreditado de lá, uma senhora me indicou um grupo de pessoas caridosas que cuidavam de animais sem fins lucrativos. Corri para aquele endereço e consegui deixar o Pingo por lá. Aquelas pessoas tinham um coração que eu jamais poderei decifrar.

Pingo passou vários meses com eles. Todos os dias, após sair da escola, eu ia visitar o Pingo. Ele era outro cão. Cheio de vida. Valeu a pena ele ter lutado para viver. A sua luta não foi em vão. A sua pata, no entanto, não teve jeito. Era irreversível.

Sete meses depois, quando Pingo estava para completar um ano de vida, o grupo que cuidou consideravelmente dele, me propôs para que eu o levasse de volta para minha casa, porém me asseguraram que se eu não tivesse condições ele poderia sim, continuar com eles. Pensei nos meus pais. Eles não sabiam que Pingo ainda estava vivo. Para eles ele já estava morto. Aceitei leva-lo e fazer uma surpresa para os meus pais.

E como eles adoraram a surpresa. Pingo foi recebido com muita festa em casa, afinal ele fora o único remanescente dos filhotes de Uli. Todos já haviam sido doados. Meus pais me chamaram de herói, porém afirmei que os heróis eram outras pessoas de bom coração. Fiz apenas a minha parte, pois eu devia isto ao Pingo.

Foram dias felizes que passamos com o Pingo.

Um dia, Pingo havia fugido de casa. Ele sempre tentava fugir quando eu não estava em casa. Talvez fosse saudade que ele sentia por mim. Ao tentar atravessar uma rua, Pingo, que andava mancando, tentou se sair de um carro que vinha em sua direção, porém em vão. O carro passou por cima dele e o fez morrer na mesma hora. Testemunhas disseram que se Pingo não tivesse a sua perna manca, teria conseguido escapar daquele carro.

O acidente foi próximo de minha escola. Sim, Pingo estava me procurando. Ao ver o meu cachorro deitado naquele asfalto molhado pela a chuva, corri e gritei chorando: “por que fui tão mau com você, Pingo! Por que fui quebrar a sua pata!”

4 comentários:

  1. Fico muito feliz que tenha gostado.
    Volte sempre! :)

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  2. nossa isso foi impactante como pode um ato mudar um todo!!!

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  3. Verdade, Taty
    Infelizmente, o que ele fez para ele no passado, resultou em sua morte.
    Brigado por sempre comparecer, linda.
    bjoss

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